“Onde Há
Crianças, Há Movimento Que Dá Vida.
A atividade principal do homem é crescer, transformar,
construir. A criança vem de um reino vivo, onde não há morte. Ela é energia
vital; transmite vida pela força da fantasia.
Bom dia!...
As crianças do maternal, de 2 a 3 anos, estão no
“play-ground”: tudo é movimento, é trabalho sério, executado na maior
concentração.
Dão-se ares de quem sabe o que está fazendo. Agora
reina silêncio, e logo dois ou três tagarelam sem preocupação se há ou não
ouvintes.
O adulto para, olha, observa esta atividade
compenetrada, isolada, vê este, aquele outro, o conjunto. Neste momento não há
briga por objetos. Algumas crianças estão brincando na quadra de areia. Uma
delas passa a pazinha e a afunda na areia, para levantá-la e, com muito
cuidado, esvaziá-la vagarosamente, de maneira que cada grãozinho brilhe no sol
suave da manhã de inverno. Ela não percebe os outros que cavam e enchem baldes
ou simplesmente batem com as mãozinhas para aplainar e alisar as
irregularidades do amontoado arenoso. É a calma em movimento. Da sala chega
mais alguém. Vem correndo, para um pouco e olha ao redor, com ar de quem
procura alguma situação propícia; fala algumas palavras, vira e volta em
direção à sala. Abaixa-se, levanta e, cônscio da importância do que viu, corre
mais rápido para informar a “tia”.
- Tem bichinho morto na grama!
Vários coleguinhas, ao ouvirem esta notícia, correm
para ver e pegar o besouro preto, que já não se move, está morto.
Uma “maiorzinha” da classe do “jardim” declara:
-Devemos fazer um enterro.
Começa uma atividade determinada pela ocorrência. O
menino da pazinha é assaltado pelos colegas:
- Dá a pá para fazer o enterro!
O buraco é cavado, o besouro é envolto numa folhinha e
logo é coberto de terra. Muitas mãozinhas ajudam. O assunto é resolvido, estão
satisfeitos. Um pequeno curioso pergunta:
- Porque estava morto este bicho?
-Porque já não sabia mais mexer as pernas e nem as
asas. Daí, morreu e pronto! – É a resposta lacônica da menina “grande”, que
propôs o enterro.
Numa das salas ficaram três crianças muito preocupadas
com a boneca Marisa, que está com dor de barriga e muita febre. Ela vomitou e
está chorando muito, porque o médico deu uma injeção. Marisa é uma boneca de
pano, um pouco gasta, tem dois pontinhos no rosto indicando olhos e um traço
horizontal curtinho como boca.
A mãe dela disse de repente:
-Marisa sarou, está rindo, quer comer.
O pauzinho que já foi seringa, agora é colher para
preparar a sopinha.
A Marisa dança, pula, bate palmas, abre a boca para
comer...
Mais trabalho! Todas as bonecas estão com fome!...
Outra “maiorzinha”, carregando uma cesta com
galhinhos, diz:
-
Quer comprar cenoura?
- Quero, diz a tia, me dá um maço.
Uns tapinhas na mãozinha resolvem o pagamento e agora
as bonecas irão aprender a comer cenoura crua, que faz bem para os dentes.
E logo todas as crianças entram. É hora da história,
do recolhimento. Nesta
época, a história vem depois do “brincar livre”.
Quem
chamou?
As crianças foram entrando, seguindo seu relógio
interior etérico, que o hábito criou. Também ficaram prontas para o lanche na
hora acostumada, assim como os passarinhos se recolhem para dormir, quando o
ocaso fecha a tarde ensolarada.
A forma diária de atividades, o “horário”, resulta do
movimento rítmico vivo de diferentes atividades, repetidas diariamente na mesma
sequencia, harmonizando o
grupo de crianças. Os brinquedos estão guardados,
ficam imóveis como matéria morta e conceitos formados e prontos. A areia
endureceu no ponto em que as mãozinhas (e pezinhos) a deixaram. Estas agora
também descansam, quando as crianças se sentam e com sua alma penetram nos
contos mágicos cheios da vida em movimento. A boneca Marisa está no carrinho.
Ela é só um amontoado de panos arrumados à semelhança de um ser humano. Já não
é capaz de chorar ou sorrir ou comer, e não sente dor de barriga. Ela apenas é
a forma final de uma imagem que alguém produziu e nada mais.
Fim do dia:
Durante algumas horas, os toquinhos e a areia, os
pauzinhos e pazinhas, os panos formando bonecas, os anões ou os bichos sem
muitos detalhes, foram instrumentos que viviam pela magia da imaginação
infantil. Agora são objetos sem vida, esperando ressuscitar com um toque mágico
da fantasia criativa do jovem ser humano.
Até
amanhã!...”
(Texto retirado do Livro: Viver com Crianças de Leonore Bertalot)
Imagem: Da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário